Os desafios de saúde mental da mulher moderna

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Postado dia 4 de novembro de 2024 por


Os desafios de saúde mental da mulher moderna

Historicamente, as mulheres enfrentaram adversidades que moldaram suas vidas de maneira restritiva. Seja pela limitação de seus papéis ou pela estigmatização das que resistem às normas impostas, elas sempre foram desafiadas. A mitologia grega nos oferece uma metáfora poderosa: Medusa, transformada em monstro após ser violentada, foi decapitada por Perseu, mas hoje é ressignificada como um símbolo de força e resistência, ilustrando como as narrativas femininas foram distorcidas para punir a resistência às expectativas sociais.

As mulheres contemporâneas, porém, enfrentam desafios que vão além dos mitos. Pressões sociais, culturais e econômicas, somadas à sobrecarga emocional de múltiplas responsabilidades, afetam profundamente sua saúde mental. A falta de acesso a cuidados adequados só agrava o cenário, revelando que a luta feminina continua sendo pela sobrevivência e reconstrução de suas próprias narrativas.

  1. Trauma silenciado: Violência de gênero

A violência de gênero é uma questão que transcende fronteiras, classes sociais e idade. Em todo o mundo, mulheres continuam a ser silenciadas, culpabilizadas e reduzidas à vergonha imposta pelos seus agressores. Recentemente, um caso na França trouxe à tona a brutalidade dessa realidade. Gisèle, uma mulher de 72 anos, escolheu não se esconder atrás do anonimato. Após mais de 40 anos de casamento, descobriu aos 68 anos que seu marido a drogava e permitia que fosse estuprada por dezenas de homens. Ao longo de uma década, foram cometidos 92 estupros, dos quais 50 agressores estão sendo julgados. Gisèle, que contraiu múltiplas doenças sexualmente transmissíveis como resultado dos abusos, decidiu tornar público o horror que viveu para que “isso nunca mais aconteça” e para que a vergonha recaísse sobre os culpados, não sobre ela.

Esse caso é uma lembrança poderosa de que a violência de gênero não é um problema isolado. Ela atravessa fronteiras e contextos, afetando mulheres em todas as esferas sociais, e não poupa ninguém. A coragem de Gisèle ecoa a luta de tantas outras mulheres ao redor do mundo que, por muito tempo, foram tratadas como culpadas por suas próprias tragédias.

Aqui no Brasil, a situação é igualmente alarmante. O anuário de 2024 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública registrou 1.467 feminicídios em 2023, o maior número desde a promulgação da Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15). Casos recentes envolvendo figuras públicas – como uma delegada abusada por um policial militar e uma ministra vítima de violência por outro ministro – apenas reforçam a ironia cruel dos “novos Perseus”, homens que, sob o manto de autoridade e poder, perpetuam a violência contra mulheres, muitas vezes sem enfrentarem as consequências.

A violência não é apenas física. O abuso psicológico e emocional, tão devastador quanto o abuso físico, destrói silenciosamente a saúde mental das vítimas. As cicatrizes são profundas, invisíveis e duradouras. Movimentos como o #MeToo e campanhas como o Agosto Lilás são cruciais para trazer à luz essas histórias e denunciar a impunidade, mas a luta está longe de ser vencida. A estátua de Medusa segurando a cabeça de Perseu, erguida em Nova York em 2020 em homenagem ao movimento #MeToo, simboliza essa inversão da narrativa: as vítimas, antes vistas como culpadas ou monstruosas, agora se erguem como as verdadeiras heroínas.

Enquanto a sociedade não mudar sua perspectiva e não entender que a responsabilidade é dos agressores – e daqueles que os protegem –, continuaremos a assistir casos em que as vítimas são julgadas, enquanto seus algozes caminham livres. É necessário que a vergonha recaia sobre os verdadeiros culpados, e que as mulheres sejam vistas e tratadas como seres dignos de respeito e segurança. A luta contra a violência de gênero exige um compromisso coletivo, uma mudança no imaginário social e, acima de tudo, justiça para aquelas que foram silenciadas por tanto tempo.

  1. Violência médica: O direito ao próprio corpo

A falta de autonomia sobre seus corpos, seja em partos forçados, procedimentos invasivos sem consentimento ou tratamentos negligentes, compromete gravemente a saúde mental das mulheres. O preconceito médico contra mulheres negras, enraizado no racismo estrutural, resulta em menor credibilidade às suas queixas e tratamentos inadequados. Mulheres LGBTQIAP+, especialmente lésbicas e bissexuais, também enfrentam discriminação e exclusão no acesso à saúde. A homofobia e bifobia geram estresse emocional, isolamento e barreiras que dificultam o cuidado adequado, impactando profundamente sua saúde mental.

No caso das mulheres trans, a discriminação decorre da falta de preparo e sensibilidade dos profissionais para lidar com suas necessidades, perpetuando estigmas e exclusão. Além disso, práticas pseudocientíficas, como as controversas terapias de conversão, que visam mudar a orientação sexual ou identidade de gênero, têm sido condenadas por especialistas, mas continuam a afetar negativamente a saúde mental desses indivíduos. A adoção de abordagens não validadas cientificamente, como a constelação familiar para tratar traumas emocionais, inclusive oferecida pelo SUS, também levanta preocupações sobre a efetividade e os riscos dessas práticas no cuidado da saúde mental.

Mulheres mais velhas também enfrentam desrespeito em relação à sua sexualidade, muitas vezes ignorada ou ridicularizada, comprometendo sua autonomia e saúde mental. O feminismo contemporâneo luta para garantir que todas as mulheres, independentemente de cor, identidade de gênero, idade ou condição socioeconômica, tenham acesso a um atendimento digno, respeitoso e humanizado.

  1. O Peso da desigualdade: Gênero e opressão

As mulheres ainda enfrentam barreiras impostas pela desigualdade de gênero. Desde a infância, são socializadas para se submeterem a papéis secundários, enquanto a pressão social molda suas identidades. Essa opressão leva ao esgotamento emocional, uma vez que as expectativas de submissão coexistem com a exigência de desempenho profissional e pessoal. Estudos mostram que a falta de equidade no ambiente de trabalho, somada à discriminação, causa ansiedade, depressão e sensação de inadequação, afetando a autoestima feminina.

  1. Preconceitos estruturais: Racismo e envelhecimento

Mulheres negras enfrentam uma sobrecarga emocional causada pelo racismo estrutural combinado às pressões de gênero, gerando uma dupla opressão. Elas frequentemente internalizam estereótipos negativos, prejudicando sua autoestima e relações sociais, o que pode levar ao isolamento – muitas vezes confundido com timidez ou agressividade. No trabalho, nas relações pessoais e no acesso à saúde, lidam com discriminação direta e microagressões diárias. Djamila Ribeiro, em seu “Pequeno Dicionário Antirracista”, destaca que a interseccionalidade de raça e gênero intensifica essas barreiras, resultando em níveis alarmantes de estresse, ansiedade e depressão.

Além disso, as mulheres mais velhas, independentemente de raça, enfrentam o desafio da invisibilidade social, solidão e perda de autonomia. O preconceito relacionado ao envelhecimento contribui para o agravamento de problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, à medida que são marginalizadas ou desvalorizadas pela sociedade. Reconhecer esses desafios e fornecer suporte adequado é fundamental para garantir uma velhice digna e saudável. Combater esses preconceitos é essencial para promover a saúde mental e o empoderamento de todas as mulheres, especialmente as mais vulneráveis.

  1. Desigualdade no trabalho: Reconhecimento negado

A desigualdade de gênero no trabalho ainda é uma realidade, com mulheres enfrentando dificuldades para alcançar posições de liderança. A falta de oportunidades e a discriminação de gênero criam um ambiente estressante. Mulheres mais velhas enfrentam exclusão e desvalorização, resultando em isolamento e baixa autoestima. As expectativas irreais de juventude também pressionam as mulheres, afetando sua saúde mental.

  1. Carga doméstica: Trabalho não visto

Embora as mulheres tenham conquistado avanços no mercado de trabalho, ainda são as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e o cuidado familiar. Isso cria uma sobrecarga emocional que muitas vezes é invisível, aumentando o estresse e a pressão sobre sua saúde mental.

  1. Burnout feminino: Quando tudo pesa

A exigência de ser bem-sucedida em múltiplos papéis – profissional, mãe, cuidadora e parceira –  leva muitas mulheres ao burnout. A sociedade impõe um modelo de “supermulher”, agravado por pressões sociais que exigem sucesso no trabalho e na vida pessoal, sem oferecer o suporte necessário. O burnout causa depressão, ansiedade, sensação de fracasso e desmotivação, além de problemas físicos como dores musculares e imunidade reduzida. Políticas de trabalho flexíveis, autocuidado e redes de apoio são essenciais para combater o burnout.

  1. Pressão total: Ser tudo, sempre

As mulheres enfrentam a pressão de serem perfeitas em todas as áreas: trabalho, família, relacionamentos e aparência, gerando tensão emocional e altos níveis de estresse. A expressão “tristes, loucas ou más” é usada para inferiorizar mulheres que fazem escolhas fora do padrão, como não casar ou não ser mães, reforçando o preconceito. Nos EUA, essa expressão é ainda mais grave, pois “sad, mad e bad” são classificações do DSM-5, o manual da Sociedade Americana de Psiquiatria para diagnósticos de transtornos mentais, sugerindo que mulheres que não seguem os padrões têm algum tipo de transtorno mental.

  1. Síndrome da impostora: O sabotador interno

Mesmo com grandes realizações, muitas mulheres sentem-se como “fraudes”, uma sensação conhecida como síndrome da impostora. Isso resulta de normas sociais que subestimam as capacidades femininas, causando ansiedade e limitando o potencial das mulheres, especialmente em cargos de liderança. Novos desafios e papéis de maior responsabilidade podem intensificar o medo de falhas e a sensação de inadequação. Superar a síndrome envolve valorizar suas conquistas e usar sua voz com confiança, mesmo em momentos de dúvida.

  1. Padrões de beleza: A prisão da aparência

Expectativas irreais de beleza, impostas por redes sociais e publicidade, alimentam a baixa autoestima e desencadeiam distúrbios alimentares. Essa obsessão com a aparência também contribui para o desenvolvimento de transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, que afetam muitas mulheres, especialmente jovens. Esses transtornos trazem graves consequências para a saúde física e mental, reforçando a necessidade de uma abordagem mais saudável em relação aos padrões de beleza. O impacto das redes sociais vai além da pressão estética, incluindo também a violência digital. O assédio online, como cyberbullying e vazamento de fotos íntimas, afeta principalmente mulheres jovens, causando ansiedade, depressão e sensação de insegurança, agravando problemas de saúde mental. Mulheres negras enfrentam padrões eurocêntricos de beleza, resultando em exclusão e sobrecarga emocional. A obsessão com a aparência afeta a identidade feminina, gerando esgotamento mental e sensação de inadequação. A pressão estética também afeta mulheres mais velhas, gerando ansiedade e abalando a autoestima.

  1. Ciclos internos: Impacto hormonal

Alterações hormonais, como menopausa, gravidez, ciclo menstrual, TPM e endometriose, trazem uma série de desafios emocionais que afetam o bem-estar das mulheres. A TPM pode causar irritabilidade, ansiedade e depressão temporária, enquanto a menopausa pode levar a mudanças de humor, insônia e sentimentos de tristeza. A endometriose, além da dor física, pode gerar estresse e depressão devido ao impacto contínuo na qualidade de vida. Adicionalmente, a vulnerabilidade social, exemplificada pela pobreza menstrual, afeta diretamente muitas mulheres que são privadas de produtos básicos de higiene. Esse problema gera constrangimento, doenças e limitações, afetando sua dignidade e qualidade de vida. A falta de acesso a produtos de higiene menstrual não só causa desconforto físico, mas também um profundo impacto emocional, levando a sentimentos de vergonha, isolamento e baixa autoestima.

Além disso, a saúde mental materna, especialmente no período pós-parto, é frequentemente negligenciada. A depressão pós-parto, que afeta uma em cada quatro mulheres, é agravada pela falta de apoio e pela pressão para atender às expectativas sociais de ser uma “mãe perfeita”. Reconhecer e tratar essas condições é essencial para garantir o bem-estar emocional das mulheres após a maternidade. Muitas vezes, essas questões, tanto hormonais quanto socioeconômicas, são desconsideradas ou vistas como irrelevantes, agravando o impacto na saúde mental. É crucial que todas essas condições sejam reconhecidas e tratadas com seriedade para promover o bem-estar emocional das mulheres.

  1. Autocuidado: A urgência do cuidado próprio

No ritmo acelerado da vida moderna, muitas mulheres negligenciam o autocuidado, tratando-o como um luxo em vez de uma necessidade. No entanto, cuidar de si mesma é essencial para o bem-estar. Programas de Apoio ao Empregado com suporte psicossocial profissional, terapias integrativas e soluções educativas são ferramentas valiosas para promover esse autocuidado.

Adotar práticas como mindfulness, exercícios físicos regulares e dedicar tempo a hobbies pode reduzir o estresse e a exaustão. Técnicas de respiração consciente e meditação ajudam a controlar a ansiedade, enquanto terapias individuais ou em grupo oferecem um espaço seguro para expressar e processar emoções. Estabelecer limites saudáveis no trabalho e na vida pessoal é fundamental para manter o equilíbrio e a saúde mental. Priorizar o autocuidado é essencial para uma vida equilibrada e satisfatória.

Conclusão: Desafiando os mitos e reescrevendo a história

Os desafios enfrentados pelas mulheres modernas ecoam antigas narrativas de punição e resistência. Medusa, punida por sua força, nos lembra como a sociedade tentou controlar e marginalizar aquelas que ousaram desafiar as normas. Ressignificar essas histórias nos permitem reconhecer a extraordinária força das mulheres de hoje, que não precisam provar seu valor em batalhas grandiosas, mas sim na luta cotidiana por equilíbrio emocional e bem-estar.

Essa batalha vai além dos mitos. A sobrecarga das múltiplas funções – no trabalho, na família e na vida pessoal –, somada à falta de acesso a cuidados de saúde mental, especialmente para mulheres em situações de vulnerabilidade, agrava os índices de ansiedade e depressão. As barreiras enfrentadas por essas mulheres refletem uma realidade urgente que demanda atenção e cuidado.

Para promover o bem-estar feminino, é crucial criar ambientes pautados em compaixão, afeto, respeito e empatia. É essencial reconhecer e valorizar a singularidade de cada mulher e suas jornadas individuais. Apenas com esse olhar cuidadoso e humano poderemos garantir que cada uma trilhe seu caminho fortalecida, em busca de uma saúde mental plena e respeitada.

Agora, falamos diretamente a você, mulher que lê estas palavras: cuidar da sua saúde mental não é fraqueza – é um gesto profundo de coragem e amor por si mesma. A cada pequeno passo em direção ao seu bem-estar, seja pedindo ajuda, reservando um momento para você ou estabelecendo limites, você resiste às pressões e se aproxima de uma vida mais equilibrada. O caminho pode, sim, ser desafiador, mas também está repleto de oportunidades de transformação e crescimento. Lembre-se: você merece viver com saúde emocional e mental. Nunca é tarde para começar a cuidar de si. Você é importante.

Referências:

  1. https://observatorio3setor.org.br/esgotadas-relatorio-mapeia-a-saude-mental-das-mulheres-no-brasil/
  2. https://institutocactus.org.br/8-dados-sobre-a-saude-mental-das-mulheres/
  3. https://ensinarhistoria.com.br/mulheres-da-mitologia-grega-que-desafiaram-o-poder-masculino/
  4. ‘Eu sou um estuprador’: Francês que drogava a esposa para que outros abusassem dela fala pela primeira vez em julgamento | Mundo | G1 (globo.com)
  5. Delegada que denunciou ex-marido PM relatou rotina de abusos, inclusive estupros, em mensagens para amiga: ‘Eu tô um caco humano’ | Rio de Janeiro | G1 (globo.com)
  6. Anielle após demissão de Silvio Almeida por Lula: ‘Não é aceitável relativizar violência’ – BBC News Brasil
  7. https://saude.abril.com.br/coluna/com-a-palavra/por-que-devemos-falar-mais-sobre-a-saude-mental-das-mulheres/
  8. https://forbes.com.br/forbes-mulher/2022/08/sindrome-da-impostora-o-que-e-e-como-combater/
  9. https://www.eusemfronteiras.com.br/burnout-e-mulheres-cuidados-e-medidas/
  10. Depressão pós-parto atinge até 25% das mães no Brasil, revela estudo da Fiocruz | CNN Brasil

 

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